O ex-ministro da Justiça Sergio Moro entregou à Polícia Federal o histórico de conversas recentes com Jair Bolsonaro pelo WhatsApp, incluindo o diálogo em que o presidente pressiona pela saída de Maurício Valeixo da diretoria-geral da Polícia Federal.
No depoimento de sábado (2), Moro repassou ainda o conteúdo das conversas com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), aliada do presidente. Numa das mensagens já reveladas pelo ex-ministro, a parlamentar tenta interceder para que ele fique no governo em troca de uma nomeação ao STF.
Como exemplo das pressões que disse ter sofrido, Moro relatou no depoimento reuniões com Bolsonaro que contaram com a presença de outros ministros.
Numa dessas reuniões, segundo o jornal O Globo, no dia 22 de abril, Moro contou aos investigadores que o o presidente ameaçou demiti-lo caso ele não concordasse com a substituição do superintendente da Polícia Federal no Rio. Segundo o ex-ministro, esse encontro foi gravado em vídeo pela Presidência da República, o que poderia comprovar suas acusações de que Bolsonaro tentou realizar interferências indevidas na PF.
Após o depoimento, o ex-ministro teve que aguardar os peritos da Polícia Federal acessarem seu aparelho celular. O aparelho foi espelhado em um HD da PF, e Moro permitiu que os investigadores recuperassem mensagens antigas apagadas por ele, já que não teria arquivado todos os diálogos que teve com Bolsonaro desde o começo o governo.
No depoimento, o ex-ministro manteve as acusações contra o presidente a quem atribuiu uma tentativa de interferência em investigações conduzidas pela PF. Na troca de mensagens pelo WhatsApp, o presidente cobra do ministro a mudança do comando da PF devido ao inquérito das fake news que corre no STF e que teria como alvo deputados bolsonaristas.
Todo o histórico de conversa entre ele e Bolsonaro foi copiado pelos investigadores que anexaram à investigação aberta pela PGR (Procuradoria Geral de República) para investigar se o presidente tentou ou não interferir em investigações da PF.
De acordo com assessores próximos ao ex-ministro, Moro se disse aliviado com o depoimento. Ele afirmou ainda a aliados que não havia motivo para se preocupar porque todas as acusações feitas por ele foram precedidas de material probatório.
O depoimento é considerado um dos principais elementos do inquérito que pode levar à apresentação de denúncia contra ele mesmo ou contra o Bolsonaro.
A oitiva, que durou mais de sete horas, foi o primeiro passo da apuração iniciada após Moro pedir demissão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, no último dia 24, com graves acusações ao chefe do Executivo.
A investigação foi aberta a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, e autorizada pelo ministro Celso de Mello, do STF, relator do caso.
O objetivo é descobrir se as acusações são verdadeiras ou, então, se o ex-juiz da Lava Jato cometeu crimes ao mentir sobre Bolsonaro.
Na visão de Aras, oito delitos podem ter sido cometidos: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra.
De acordo com interlocutores do PGR, Moro pode ser enquadrado nos três últimos e Bolsonaro, nos seis primeiros.
Nada impede, no entanto, que a investigação encontre outros crimes além desses e os denuncie por isso.
Depois de ouvir Moro, a PF deve realizar outras diligências para buscar mais provas e informações sobre o caso.
O procurador-geral pode fazer o mesmo, mas ele tem indicado a pessoas próximas que deixará os detalhes da apuração a cargo da polícia e decidirá ao final o oferecimento ou não da denúncia. Depois deste sábado, os delegados que apuram os fatos podem entender, por exemplo, que é necessário colher o depoimento de Maurício Valeixo, diretor-geral da PF enquanto Moro era ministro e pivô da crise com Bolsonaro.
Isso porque, segundo o ex-juiz da Lava Jato, o chefe do Executivo queria retirá-lo do comando da corporação para colocar alguém da sua relação pessoal no cargo. A intenção seria dar acesso ao presidente a relatórios de inteligência e informações sobre investigações em curso, o que não é permitido pela legislação.
Além de Valeixo, a PF pode colher o depoimento outras pessoas mencionadas por Moro e também do próprio Bolsonaro. Nesse caso, porém, por se tratar do presidente da República, que tem foro privilegiado, seria necessária autorização do STF. E o chefe do Executivo poderia ajustar com o magistrado o horário e local adequado para isso.
Quando Michel Temer estava na Presidência e era investigado, por exemplo, o ministro Edson Fachin permitiu que ele prestasse o depoimento por escrito. No caso de Moro, o depoimento foi colhido pela delegada Christiane Correa Machado, chefe do Serviço de Inquéritos Especiais, grupo responsável por apurar os casos em curso no STF.
Além dela, Aras designou três procuradores da República para a oitiva: Herbert Mesquista, Antonio Morimoto e João Paulo Tavares.
A investigação, contudo, não tem uma data definida para acabar. O Código de Processo Penal até estabelece que os inquéritos têm de ser concluídos em 30 dias ou em 10 dias se envolver réu preso.
Esse prazo, no entanto, nunca é respeitado, inclusive nas investigações que correm perante o STF. O despacho do ministro Celso de Mello obrigando a PF a ouvir Moro em até 5 dias, e não em 60 dias, como havia determinado inicialmente, é um indicativo de que o magistrado quer acelerar as apurações. Não dá para afirmar, porém, até quando elas se estenderão.
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