STF forma maioria para suspender pagamentos do orçamento secreto
O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria hoje, em julgamento virtual, para suspender o pagamento de emendas do chamado "orçamento secreto" do Congresso. Até as 17h, cinco ministros já haviam votado a favor da decisão liminar da relatora do caso, ministra Rosa Weber, que interrompeu os repasses na última sexta-feira (5).
A posição de Weber foi seguida pelos ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes. Faltam os votos de Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques e do presidente da Corte, Luiz Fux.
O julgamento, que só será concluído às 23h59 de amanhã, nasceu de três ações apresentadas ao STF, em maio desse ano, que questionam a validade das emendas de relator, uma das ferramentas usadas por deputados e senadores para reverter parte do orçamento a suas bases políticas.
O instrumento, que leva o nome técnico de RP9, foi suspenso por Weber devido à falta de transparência, já que esse tipo de emenda não permite a identificação individual dos autores dos pedidos de aplicação de verba e o respectivo destino do dinheiro. Foi pela dificuldade em rastrear os gastos que o dispositivo ficou conhecido como orçamento secreto.
A decisão do STF deverá significar uma derrota para o Planalto, já que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pode perder apoio no Congresso em votações cruciais para o futuro do governo.
A mais imediata destas votações é a da PEC dos Precatórios, que deve ser apreciada hoje em segundo turno na Câmara. Somente nos dias 28 e 29 de outubro, semana anterior à votação em primeiro turno (quando a proposta foi aprovada por uma margem de 4 votos), o governo liberou mais de R$ 900 milhões por meio destas emendas, segundo levantamento da ONG Contas Abertas com base em dados oficiais.
Votos dos ministros
No voto em que embasou a decisão de suspender as emendas, na última sexta, Weber acatou o argumento dos partidos de que o uso das emendas de relator foi desvirtuado. Inicialmente, o instrumento era previsto para que o relator-geral do orçamento pudesse fazer adequações legais ao projeto aprovado no Congresso, mas não servia para repasse massivo de verbas.
Segundo entendeu a ministra, a acumulação de emendas sob uma rubrica única, que não identifica o autor de cada pedido, torna o orçamento suscetível ao domínio dos parlamentares alinhados ao governo, que recebem uma fatia maior das distribuições.
Barroso, Fachin, Lewandowski e Moraes acompanharam a relatora sem apresentar voto em separado. Cármen Lúcia, por sua vez, também seguiu Weber, mas encaminhou um voto à parte. No texto, a ministra afirmou ver "cooptação de apoio político" na prática do governo e dos congressistas.
"A utilização de emendas orçamentárias como forma de cooptação de apoio político pelo Poder Executivo, além de afrontar o princípio da igualdade, na medida em que privilegia certos congressistas em detrimento de outros, põe em risco o sistema democrático mesmo", escreveu Cármen Lúcia.
Articulação
A suspensão determinada pela ministra provocou críticas de Bolsonaro e reação imediata do Congresso, que trabalha desde o último final de semana para reverter a medida. Tanto a Câmara quanto o Senado pediram ontem, no processo, que a decisão de Weber seja revogada.
Além de se manifestar oficialmente, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi ontem ao STF e se reuniu com Fux. No encontro também estavam o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), o vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), e o relator-geral do orçamento, deputado Hugo Leal (PSD-RJ).
Histórico
Em janeiro deste ano, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que o governo havia destinado R$ 3 bilhões para 250 deputados e 35 senadores aplicarem em obras nos seus redutos eleitorais. A liberação do dinheiro ocorreu em meio às negociações para a eleição na Câmara, que levou Lira à presidência da Casa.
Foi em maio, porém, que o jornal revelou a existência de um esquema, controlado de maneira não oficial por planilhas, ofícios e até mensagens de texto, por meio do qual o governo distribuía recursos das emendas de relator a parlamentares da base aliada.
O principal uso do dinheiro, segundo a reportagem, era a compra de máquinas agrícolas, parte delas com indícios de superfaturamento. Por essa razão, o mecanismo foi rotulado como "tratoraço" pela oposição.
A revelação do caso levou três partidos a pedirem ao STF a suspensão dos pagamentos, argumentando que Congresso e o Planalto vinham fazendo um uso inconstitucional das emendas. Dias depois, o PSB e o Cidadania desistiram das ações, mas Weber negou os pedidos e levou os processos adiante.
Segundo a decisão da ministra na última sexta, o Congresso deve não apenas manter suspensa a execução das emendas até o fim do julgamento, mas também publicar, no prazo de 30 dias, os registros de todos os pagamentos em uma plataforma centralizada.
O processo
Nas ações que questionam o orçamento no STF, os partidos lembraram que as emendas RP9 foram criadas apenas como um instrumento técnico, usado pelo relator do orçamento para adequar o texto à legislação. Segundo alegaram as siglas, o apoio ao governo nas votações no Congresso passou a ser determinante para definir quais parlamentares receberiam maior fatia do orçamento.
A ministra considerou que o Congresso criou "uma duplicidade de regimes de execução" orçamentária: um transparente, referente às emendas individuais e de bancada, e um "sistema anônimo de execução" para as emendas do relator.
Ouvida no processo, a AGU (Advocacia-Geral da União) foi contrária à suspensão da emendas. O órgão afirma que os pagamentos têm previsão na Constituição e a lei possui instrumentos para evitar "o risco de fraudes ou abusos no direcionamento de recursos orçamentários".
Além da Câmara e do Senado, a PGR (Procuradoria-geral da República) também seguiu a AGU e se manifestou pela validade das emendas de relator. No documento enviado ao STF, o PGR Augusto Aras reconheceu que os mecanismos de transparência "devam ser aperfeiçoados", mas afirmou que não se pode falar em orçamento secreto porque não existe nenhum ato legal prevendo a ocultação das despesas.
Para Weber, porém, a forma de distribuição dos recursos é "incompatível com a forma republicana e o regime democrático de governo" e que existe um "segredo injustificado" sobre os gastos.
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