Prefeito é acusado de comprar votos no Ceará com 'agrado' e 'empreguinho'

Por Julia Affonso 19/01/2025 - 09:01 hs
Foto: Reprodução
Prefeito é acusado de comprar votos no Ceará com 'agrado' e 'empreguinho'
O alcaide de Cariré, Antônio Martins com o Prefeito de Moraújo/CE, Ruan Lima (PSD)

O Ministério Público Eleitoral acusa o prefeito de Moraújo (CE), Ruan Lima (PSD), de ser o "principal articulador" de um esquema de compra de votos no município. Dono de haras e amigo de autoridades da política nacional, Lima se elegeu pela primeira vez em 2024.

O UOL obteve áudios, fotos, conversas de WhatsApp e depoimentos que indicam uma negociação de votos no município. Quatro eleitores relataram, por exemplo, que Ruan Lima pagou, a cada um, até R$ 5.000 em dinheiro vivo. Compra de votos é crime eleitoral.

Ruan Lima negou "veementemente" a suspeita de compra de votos, em nota enviada à reportagem. Segundo o prefeito, "todas as acusações são infundadas e carecem de provas concretas".

Conduzi minha campanha de forma limpa, ética e transparente, movida pela energia do povo de Moraújo, que clamava por mudanças e por uma gestão comprometida com o desenvolvimento da nossa cidade

Ruan Lima (PSD), prefeito recém-empossado

Moraújo tem 8.516 habitantes e fica a cerca de 300 km de Fortaleza. No município, 73% dos moradores estão inscritos no Cadastro Único, principal instrumento do governo federal para incluir a parcela mais vulnerável da população em programas sociais.

Lima, 32, é um ex-piloto de rali e mantém um haras no Maranhão. Decidiu disputar uma prefeitura no Ceará, pois Moraújo é o município de origem da família materna.

Em 2024, venceu a eleição por uma diferença de 689 votos contra o 2º colocado, Moreira Júnior (PSB) — de quem partiu a denúncia ao MPE. A Promotoria concluiu que Lima distribuiu benefícios e dinheiro em espécie antes e durante o período eleitoral, por meio de um esquema "organizado" e "sistemático".


A renda per capita de quase metade dos moradores do município (48%) é de até R$ 218, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social. Um total de 38% dos habitantes não tem instrução ou não completou o ensino fundamental.

O prefeito informou ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ter um patrimônio de R$ 90 mil, composto por uma "participação societária". Lima é sócio do Haras São Luís, com um dos irmãos.

Em setembro passado, promoveu um leilão de cavalos ao lado do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, na capital maranhense. O evento movimentou R$ 3,1 milhões em compra e venda de animais da raça Quarto de Milha - usados em vaquejadas.


O ministro havia visitado Moraújo em julho. "Você vai ter lá em Brasília toda a retaguarda necessária para que você supere todos os desafios", disse Juscelino.

Durante outro leilão, em 2023, o Haras São Luís vendeu um cavalo ao presidente da Câmara, Arthur Lira, por R$ 126 mil. Um mês antes, Lima publicou uma foto com Lira e o senador Weverton (PDT-MA). "Amigos do peito", escreveu.


Ruan Lima (de camiseta azul) ao lado de Lira em foto publicada pelo prefeito com a legenda "Amigos do peito"-Imagem: Reprodução/Instagram

O que o grupo oferecia aos eleitores, segundo o MPE

Pouco antes de assumir, Ruan Lima escolheu a noiva, a estudante de medicina Leticia Luna, e o pai, Alex Lima, para serem secretários de Saúde e de Relações Institucionais, respectivamente. Após o UOL revelar o caso, a universitária desistiu do cargo.

A Promotoria afirmou que a noiva e o pai atuaram na coordenação da campanha do prefeito. A ação destacou que o esquema de compra de votos "era orquestrado por Alex Lima". Leticia Luna não é acusada no processo.

O MPE apontou que uma coordenadora da campanha era "figura central" no esquema. A investigação fez buscas contra Sheila Araújo e apreendeu celular, computador, lista de eleitores e cadernos de anotações. Áudios capturados no aparelho e depoimentos mostram negociações envolvendo:

  1. dinheiro vivo;
  2. emprego na prefeitura;
  3. diminuição de carga horária de trabalho;
  4. remédio;
  5. regularização de documento de veículo;
  6. óculos de grau;
  7. e fatura de cartão de crédito


Ruan e o pai, Alex Lima, secretário de Assuntos Institucionais

Imagem: Reprodução/Instagram Ruan Lima

Em julho passado, uma eleitora disse, em áudio, ter um acordo com Araújo, "intermediadora de tudo", e "com o Alex e com o Ruan". A coordenadora respondeu. "Eu sei que o negócio que você fez com o Alex foi seguro. Ele lhe prometeu até depois, se ganhar, lhe ajudar, um empreguinho. E eu sei que ele vai cumprir, em nome de Jesus", disse. "Depois passe aqui viu, para eu te dar um agradozinho."

A ação apontou que havia também um "sistema de controle dos eleitores", com pagamentos àqueles que confirmavam apoio a Lima. Uma fotografia encontrada no celular de Sheila Araújo registrou nomes ao lado de um "ok".


Registro do sistema de controle dos eleitores do esquema apontado pelo MPE - Imagem: Justiça Eleitoral

Alvos de mandados de busca e apreensão, Lima e o pai não tiveram celulares e equipamentos apreendidos. A Polícia Civil esteve no endereço de ambos, em Moraújo, mas não encontrou ninguém no local nem "objetos de interesse da investigação".

Ao UOL Alex Lima afirmou ser um "cidadão comprometido com os princípios da ética e da transparência". O empresário disse refutar "com veemência as acusações infundadas", Afirmou ainda estar à disposição das autoridades competentes e confiar "plenamente que a verdade prevalecerá".

Quem confessou, segundo o MPE

A Promotoria tomou oito depoimentos na investigação. Dentre eles:

Eleitor 1: queria "cavar um poço", mas aceitou oferta de R$ 3 mil pelo voto dele e da esposa. "Entramos no quarto, ele [Ruan Lima] contou o dinheiro e me deu R$ 1,5 mil", afirmou. Dias depois, pagou o restante. Após pressão da família, que apoiava outro candidato, devolveu o dinheiro.

Eleitora 2: auxiliar de serviços. Afirmou que Lima ofereceu a ela R$ 5 mil, emprego na prefeitura - com redução da carga horária, mas mantendo o salário integral -, por oito votos. Disse que se arrependeu e Lima solicitou a devolução do dinheiro. "Devolvi."

Eleitora 3: estava desempregada e aceitou R$ 5 mil. Em troca, daria quatro votos da família. Desentendeu-se com o grupo de Lima, rompeu o acordo e foi cobrada. O marido disse ao MPE que mandou o prefeito "buscar a restituição judicialmente".

Eleitor 4: agricultor, queria uma barragem para armazenamento de água para os animais, mas aceitou R$ 500 por nove meses. Disse ter votado em Lima

O MPE pediu que a Justiça Eleitoral casse o prefeito, a vice-prefeita, Ana Sara (PSD), e a vereadora Eline Freire (PSD), beneficiários diretos do esquema. Requereu ainda a inelegibilidade dos três, de Alex Lima e de cinco cabos eleitorais por abuso de poder econômico

Verdade prevalecerá, diz prefeito

Ao negar as suspeitas, o prefeito Ruan Lima afirmou que "em um ambiente político muitas vezes polarizado, é comum que adversários tentem deslegitimar a imagem de líderes que trabalham em prol do bem-estar da comunidade". Disse que vai "colaborar com as autoridades e fornecer todas as informações necessárias para o completo esclarecimento dos fatos".


O prefeito de Moraújo (CE), Ruan Lima, dono de haras em São Luís

Imagem: Reprodução/Instagram Ruan Lima

"Confio que a verdade prevalecerá ao longo do processo e sigo firme no propósito de trabalhar com responsabilidade e respeito, sempre em prol da população."

Ruan Lima, prefeito

"As denúncias parecem ser parte de uma manobra política da oposição para desviar a atenção de suas próprias falhas e compromissos não cumpridos."

Alex Lima, pai do prefeito e secretário Relações Institucionais de Moraújo

A reportagem não localizou Sheila Araújo e Ana Sara. Eline Freire não retornou ao contato.

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